Wuhan: de epicentro da pandemia a um dos principais polos turísticos da China | Turismo e Viagem

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Naquela que foi uma das cidades mais afetadas por um vírus sobre o qual — naquela época — pouco se falava e do qual nada se sabia, a vida voltou ao normal.

E não só isso. Para a surpresa de muitos, Wuhan — onde o coronavírus Sars-CoV-2 foi detectado pela primeira vez, há quase um ano — agora se tornou um dos principais pontos turísticos da China.

Somente durante a Semana Dourada, período festivo do gigante asiático que vai de 1 a 7 de outubro, a Província de Hubei atraiu mais de 52 milhões de turistas que geraram receitas de aproximadamente US$ 5,2 bilhões, o equivalente a R$ 29 bilhões.

Turismo mundial sofre queda de 70% em 2020 devido à pandemia de Covid-19

E Wuhan, a capital regional, recebeu quase 19 milhões de visitantes, segundo dados do Departamento de Cultura e Turismo da Província.

Ao mesmo tempo, grande parte do mundo é atingido por uma segunda onda de covid-19, que em alguns países até afetou mais pessoas do que a primeira.

Na França, o governo impôs toque de recolher em oito cidades, incluindo a capital, Paris. No Reino Unido, há uma situação semelhante: Londres e outras regiões da Inglaterra entraram em uma espécie de retorno ao confinamento, que as impede de encontrar pessoas de outras que moram em outras casas em locais fechados.

No continente americano, a situação não é melhor.

Pela primeira vez desde o final de julho, os Estados Unidos (que já acumulam pelo menos 225 mil mortes por coronavírus) ultrapassaram 83 mil casos em um único dia na sexta-feira (23/10), enquanto a América Latina e Caribe superaram 10 milhões de casos positivos, com Brasil, Argentina, Colômbia, Peru e México encabeçando a lista por número de casos.

No entanto, do outro lado do mundo, “a cidade heróica”, como a apelidou o presidente chinês Xi Jinping, o vírus parece uma lembrança desagradável e especialmente distante, se acreditarmos nos números oficiais.

O governo chinês garante que em Wuhan não há um único caso de coronavírus. No entanto, várias organizações e especialistas acreditam que essa afirmação deve ser vista com cautela.

O ‘renascimento’ de Wuhan

No marco das comemorações do Dia Nacional da República Popular da China, o governo de Xi Jinping organizou um ato em uma estação de trem em Wuhan e, em um vídeo do evento publicado nas redes sociais, milhares de pessoas são vistas reunidas cantando e agitando a bandeira chinesa.

“Wuhan renasce depois da covid-19 com mais força e vitalidade”, disse Hua Chunying, diretora adjunta do Departamento de Informação do Ministério das Relações Exteriores, ao postar um vídeo promocional no Twitter.

Para Vivian Hu, editora do serviço chinês da BBC, o governo de Xi Jinping, com a ajuda da mídia estatal, está tentando passar a imagem de que está tudo bem em Wuhan, que as pessoas estão se divertindo e que prosperidade, e normalidade estão de volta.

“E até certo ponto, é verdade: as pessoas estão viajando por toda a China e principalmente para Wuhan. Sim, a cidade parece ter voltado ao normal, mas para muitas pessoas e muitos empresários as coisas não são como antes e ainda há muita preocupação”, diz a jornalista, em Hong Kong.

“Mas a mensagem que recebemos da propaganda chinesa é que o governo conseguiu controlar a pandemia com sucesso”, acrescenta.

O governo de Hubei anunciou em agosto que cerca de 400 pontos turísticos da província seriam abertos a visitantes de todo o país gratuitamente, sendo a Torre do Grou Amarelo um deles — Foto: Getty Images

Até 27 de outubro, a China contabilizava 91.185 casos de covid-19 e menos de 5 mil mortes, enquanto os Estados Unidos, com uma população 4 vezes menor, registrou mais de 8,7 milhões de casos e pelo menos 225 mil mortes.

“Há novos casos na China, mas aparentemente não em Wuhan. Se há novos casos, o governo deixa claro que está fazendo todo o possível para conter o novo surto de maneira eficiente e rápida”, explica Hu.

As políticas que impulsionaram o setor

A ressurreição de Wuhan como destino turístico preferido dos chineses não se deve ao acaso. Na verdade, deve-se em parte as políticas do governo.

Em agosto, o governo de Hubei anunciou que cerca de 400 pontos turísticos da Província estariam abertos a visitantes de todo o país gratuitamente a partir do dia 8 daquele mês até o final do ano.

E embora o número de visitantes a esses lugares estejam limitados a 50% de sua capacidade máxima e os visitantes devam ser submetidos a controles de temperatura, a resposta foi inesperada.

Muitos dos turistas que escolheram Wuhan durante a Semana Dourada visitaram a histórica Torre do Grou Amarelo, localizada no centro da cidade. A estrutura atual, construída em 1981, foi um dos locais de entrada gratuita, patrocinados pelo governo chinês.

De acordo com a agência de notícias Xinhua, pelo menos mil agências de viagens e mais de 350 hotéis aderiram à campanha do governo, oferecendo descontos aos visitantes.

Para alguns analistas, o ressurgimento de Wuhan como destino turístico demonstra a confiança dos chineses no manejo da pandemia pelas autoridades locais e representa uma oportunidade de ouro para impulsionar a degradada indústria.

“As pessoas sabem que Wuhan está melhor, ninguém visitaria a cidade se houvesse coronavírus. Os chineses estão dispostos a viajar para Wuhan, que costumava ser o epicentro de Covid-19 e isso, do ponto de vista do governo, é uma vitória.”

Enquanto o setor está se recuperando depois de uma paralisação completa no início do surto de Covid-19, a receita do turismo no gigante asiático ainda deve cair 52% em 2020 em comparação com 2019, e o número de viagens diminuirá 43%, segundo a instituição de pesquisa China Tourism Academy (CTA).

Para Ni, as coisas estão “gradualmente” voltando ao normal, mas ainda restam dúvidas se a situação vai durar.

“Com a aproximação do inverno, há dúvidas se teremos ou não uma segunda onda. Acho que esse desconhecido está presente na mente de todos os chineses, mas por enquanto as pessoas estão gostando do relaxamento das restrições e da volta ‘normalidade’ “, diz ele.

O especialista chinês destaca que a sensação de normalidade se repete em todo o país e que cada vez menos pessoas com máscaras são vistas nas ruas do país asiático.

Para os mais de 20 milhões de habitantes de Pequim, capital do país, não é mais obrigatório o uso de máscaras, por exemplo.

Uma ‘vitória’ do governo

E também simboliza uma vitória do governo chinês.

Vincent Ni, um especialista em China do serviço mundial da BBC, aponta que de fato o governo chinês pode estar usando Wuhan para fins de propaganda, mas a campanha é “baseada em fatos”, que “mostram que a situação tem melhorado”.

“Isso, por um lado, mostra que a situação melhorou significativamente, mas, por outro lado, pode ser uma espada de dois gumes, porque o vírus não desapareceu, não temos uma vacina eficaz no momento e, se as pessoas baixarem a guarda, uma segunda onda pode ser catastrófica.”

Segundo projeções do Fundo Monetário Internacional, a China será a única grande economia mundial a registrar crescimento neste ano, com expansão de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB).

Embora a indústria do turismo pareça estar vendo luz no fim do túnel, outros setores da economia e, principalmente, a renda das populações mais vulneráveis ​​sofreram um forte golpe nos últimos meses.

“O governo central está tentando colocar a economia de volta nos trilhos, mas os jovens nas grandes cidades não conseguem empregos e nem têm mais dinheiro para pagar o aluguel, então há uma nova tendência de que muitos estão abandonando as cidades”, explica Vivian Hu.

“Muitas pessoas podem estar viajando por toda a China, mas é inegável que a sombra do coronavírus ainda existe. As pessoas sabem disso, mas tentam fazer o dia a dia voltar ao normal. É uma boa intenção, mas leva tempo e é verdade que é difícil obter um relato objetivo do que realmente está acontecendo.”

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